domingo, 24 de maio de 2015

Entrevista com caminhoneiro x Psicologia Organizacional e do Trabalho

Hoje iremos compartilhar com vocês uma entrevista realizada com um profissional Caminhoneiro. Tal atividade foi proposta para a matéria de Psicologia Organizacional e do Trabalho, visando agregar de forma significativa um olhar mais abrangente acerca desta prática profissional.
Referente ao seu perfil, cabe destacar que M, sexo masculino, tem 44 anos, é divorciado e possui segundo grau incompleto. É autônomo, seu tipo de caminhão é carreta (veículo articulado – container) e percorre a rota Inter Estadual. Possui como dependente um filho de 12 anos de idade.
Em relação ao tipo de carga, afirma que devido a trabalhar no segmento de container (unidade de transporte) ao qual é acoplado no reboque da carreta, é possível a transportar diversos tipos de cargas, desde frigorífica para transporte de alimentos perecíveis à cargas secas como carros. O entrevistado enfatizou que também já transportou mercadorias como carvão mineral, pois segundo o mesmo tudo pode ser carregado em container e posteriormente ser transportado por navio.
No que tange as perguntas realizadas a M., o mesmo foi acessível e buscou esclarecer todas as questões realizadas. Vamos apresenta-las seguindo a ordem da entrevista e posteriormente nossa análise sobre elas.
1) Em média, qual é o tempo de duração das rotas, ou seja, média horas/dias viajando?
Segundo o entrevistado o tempo é muito relativo dependendo do destino(distância), estrada(topografia) o agravante maior sempre é o trânsito, segundo (M) o mesmo realiza uma média de 10 horas de viagem para São Paulo onde percorre uma distância de 600km se não houver problemas de acidentes ou obras. 
2) Na maioria das vezes, como você consegue o frete?
Segundo M o mesmo consegue frete na maioria das vezes através de transportadoras.
3) Como a sua família se posiciona em relação a sua profissão?
Segundo entrevistado de modo geral sua família deseja que o mesmo mude de profissão.
4) Costuma passar quantos dias (média) em casa entre as viagens?
M nos declarou que quando a carga está boa, o mesmo chega de manhã e já sai no período da tarde, passando a noite nas estradas, nos postos e hotéis. A cada 15 dias passa o final de semana com o filho.
5) Como ocorreu a escolha por essa profissão, o (s) motivo(s) para permanecer na profissão?
Segundo M a escolha ocorreu por vontade própria, por admirar muitos familiares que seguem a mesma profissão e a permanência se dá devido a renda, o entrevistado considera que com pouco estudo em outra profissão não teria ganhos relativamente grandes.
6) Como avalia as condições (riscos) dessa profissão?
M considera as condições perigosas pois trafega com um veículo com mais de 40 toneladas na maioria das vezes, e isso em rodovias obsoletas mal projetadas e mal conservadas. As pedagiadas e principalmente as que estão sobre a tutela do governo estão neste estado, outro fator é a violência, o entrevistado nos relatou: “Somos assaltados a mão armada em pátio de posto, sinal de trânsito para roubar o veículo e a carga ou quando somos apedrejados no para-brisa de noite em viadutos e passarelas para provocar acidentes e saquear a carga e roubar os pertences do motorista”.
7) Qual é a sua opinião sobre a nova lei do descanso (Lei nº 12.619/12)
Relato de M em relação ao questionamento da nova lei do descanso:
“Criar a lei e assinar uma folha de papel é muito fácil, só que os políticos esquecem que precisa de uma estrutura para que ela seja cumprida, não temos em nenhuma base do pedágio um estacionamento para descanso de caminhões, ai perguntam e os postos de combustíveis? aonde tem muito trafego os postos às 18 horas começam a isolar o pátio com fitas zebradas e só da pernoite para o cliente que abastece, pois não são instituição de caridade, e deve ter distinção entre autônomo e empregado mediante horas de descanso”.
8) Teve alguma doença em decorrência desse trabalho?
O entrevistado relatou ter problemas na coluna e no nervo ciático. Devido ao exercício da profissão de motorista de caminhão.
SUGESTÕES DO ENTREVISTADO
v  Relatos de M:
“Por incrível que pareça o que mais nos atrapalhou foi o chamado pró caminhoneiro, que si tire este nome pois eu não conheço nem um autônomo que adquiriu um caminhão por este financiamento. Transportadoras que não tinha capacidade de comprar um caminhão hoje tem dois, cinco até mais e pior não houve renovação de frota e sim acumulo, os caminhões velhos negociados por empresas grandes não poderiam ser colocados de novo nas estradas (estes caminhões são os que sobram para os autônomos adquirir com juros absurdo de bancos) ai temos uma frota sucateada”.
“DIESEL e o refugo do refino do petróleo, e um combustível barato mais temos nos teles jornais a explicação para ele estar tão caro mediante os políticos e empreiteiros imundos e corruptos, a população só penca em gasolina mais óleo DIESEL incide sobre o valor de tudo pois tudo e transportado e muitos equipamentos são movidos por ele não só caminhão como tratores, ônibus, trens, barcos de pesca, grupo geradores, termoelétricas e etc”.
“Deveria ter tabela de frete com valor mínimo fixado por km rodado, pois taxi e ônibus tem e não é inconstitucional, sem isto o transporte continua “terra de ninguém” aonde quem pode mais chora menos. O perdão pelo desabafo...”
Em relação a nossa análise diante dos dados coletados, é possível destacar que que Segundo Masson (2010) no artigo Estilo de vida, aspectos de saúde e     trabalho de motoristas de caminhão, em muitos outros estudos o perfil do motorista de caminhão é semelhante, sendo a categoria profissional constituída basicamente pelo gênero masculino, homens que têm uma família constituída e, em geral, sustentam a família. Essa profissão, que garante as condições de sustento do lar, tem características próprias, que fazem com que o motorista conviva pouco tempo com a família, viajando durante longo tempo sozinho, longe de momentos e datas familiares importantes, o que o torna, muitas vezes, um profissional isolado. Nesse sentido, observa-se que para se estabelecer um padrão de qualidade de vida, é essencial o equilíbrio entre o trabalho e o lazer.
Na profissão de motorista não existe rotina diária de trabalho, não há horário previsto para refeição e descanso, ou datas previstas para estar com a família.
Apesar de todas as dificuldades que o motorista enfrenta no trabalho, é possível observar que muitos ainda encontram satisfação e se orgulham da profissão como foi o caso do nosso entrevistado que relatou gostar do que faz e o fazer além de por motivos financeiros por influência de familiares que também exercem a mesma profissão.
Masson (2010), fez uma pesquisa com 105 caminhoneiros e o grau de escolaridade da maioria dos entrevistados foi inferior a oito anos de estudo para 64,8% da amostra.  Esse resultado, vai ao encontro a um dos relatos do entrevistado relacionado a sua escolha pela profissão.
A trajetória profissional do motorista de caminhão interfere em sua saúde, pois o torna vulnerável ao uso de drogas psicoativas, a problemas posturais – caso de nosso entrevistado - e às práticas sexuais eventuais.
Segundo Botelho (2011) estes profissionais, com o ritmo intenso de trabalho a que são submetidos, devido às longas distâncias a serem percorridas, as responsabilidades de entrega e seguridade tanto da carga quanto do veículo, diante destes fatores, os caminhoneiros necessitam dormir na boléia, com alimentação conforto e segurança precária e acabam por desenvolver desgaste físico-mental, bem como, emocional-afetivo interferindo na qualidade de vida do indivíduo. Penteado (2008) reitera a existência de comprometimentos na saúde em decorrência do exercício da atividade profissional dos caminhoneiros.
Tal afirmativa, vai ao encontro da fala do entrevistado em que avalia as condições de trabalho como perigosas, trafegando em rodovias mal projetadas e mal conservadas, ressaltando ainda questão da violência. Segundo Martins e Dell’Agli (2014) no que se refere à pessoa, os entrevistados demonstraram admiração por pessoas generosas, justas e honestas; como motoristas, refletiram admiração por honestidade e respeito.O que vai ao encontro do que coletamos com o nosso entrevistado que relatou seguir a profissão por necessidade e admiração pela conduta como motoristas de caminhão de alguns familiares seus.
Quanto à indignação, mencionada também por Martins e Dell’Agli (2014)  no que tange as condições de trabalho os motoristas entrevistados demonstraram grande indignação e insatisfação, o que coincide com o relato de M. que em diversos momentos mencionou aspectos referentes as condições de trabalho bem como a Lei do Descanso que lhe geram indignação.
Outro fator que é possível relacionar são os problemas na coluna e no nervo ciático devido a profissão, durante viagens que podem durar até 10 horas ficando nítido a diminuição da qualidade de vida em função do trabalho, fato este confirmado por diversas pesquisas que vêm descrevendo os impactos negativos sobre a saúde geral destes profissionais, destacando ainda a necessidade de desenvolvimento de ações educativas de promoção a saúde em uma perspectiva mais ampla e abrangente, envolvendo profissionais e empresas contratantes, bem como lhes proporcionar uma melhor qualidade de vida no próprio trabalho, com melhores condições de segurança e rodovias acessíveis para o uso dos mesmos.
Em relação a afirmativa do entrevistado no que refere-se a nova lei, Waltrich (2014) aponta que a inexistência de políticas públicas que garantam eficiência traduz o descompasso dos poderes legislativo e executivo em nosso país.
Dessa forma, torna-se necessária a conscientização da sociedade e do poder público, para que sua atuação ocorra de maneira eficaz, de forma que sejam efetivadas as políticas públicas tributárias necessárias à implementação dos institutos facilitadores, para que mais uma vez não sejam esquecidos, sem que ninguém seja punido, nem o motorista pelo descumprimento justificado, nem o Estado, por ser negligente em sua tarefa de manter condições suficientes e eficazes para estes profissionais. (Waltrich, 2014)

E aí, vocês gostaram? Porque nós ADORAMOS essa experiência, que nos possibilitou compreender um pouco sobre uma profissão tão necessária para o dia a dia de todos! Agradecemos ao nosso entrevistado pela disposição e por compartilhar sua prática profissional!




REFERÊNCIAS
v  BOTELHO, Lúcio José; DIESEL, Lilian Elizabeth; FREIXIELA,Adamczyk, JAIRA; Maria. Profissão motorista de caminhão: uma visão (im)parcial. Saúde & Transformação Social / Health & Social Change, vol. 2, núm. 1, 2011, pp. 108-113.
v  MARTINS, Luzia Teixeira; DELL’AGLI, Betânia Alves Veiga. Valores de Motoristas de Caminhão: o que lhes causa Admiração Indignação? In. Psicologia, Ciência E Profissão, 34(4), 894-915,2014.
v  MASSON; Monteiro. Estilo de vida, aspectos de saúde e trabalho de motoristas de caminhão. Campinas: Universidade Estadual de Campinas.SP, 2010
v  PENTEADO, Regina Zanella et al. Trabalho e saúde em motoristas de caminhão no interior de São Paulo . Saúde e Sociedade, [S.l.], v. 17, n. 4, p. 35-45 , dez. 2008.

v  WALTRICH, Dhieimy Quelem. A necessidade de implementação de políticas públicas tributárias que garantam efetividade a Lei n. 12.619, de 30 de abril de 2012, que regulamenta a profissão do motorista. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA, 11; MOSTRA DE TRABALHOS JURÍDICOS CIENTÍFICOS, 7. 2014, Santa Cruz do Sul - RS. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2014. P. 1-15.

2 comentários:

  1. adorei conhecer o blog, sou estudante de psicologia do oitavo semestre e estou fazendo um tcc, sobre qualidade de vida afetividade e uso de drogas em Profissionais da estrada, gostaria muito de trocar ideias com vocês!

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  2. contato, paula.conti.psicologia@gmail.com

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